Gente nossa | 28 de outubro de 2010 - 06:26

Entrevista com Deneir Martins: O encantador de brinquedos

Shirley Costa e Silva
Entrevista com Deneir Martins: O encantador de brinquedos


Aos 20 dias de nascido, o artista plástico Deneir Martins desembarcou em Magé, dando ao município a oportunidade de abrigar também um craque da arte. O pequeno havia sido desenganado pelo médico. Sua mãe chegou a levar um padre para batizá-lo no hospital, para que o filho não morresse pagão. Mas, para a sorte de todos, o menino sobreviveu e hoje aos 56 anos encanta o mundo com a sua arte lúdica e interativa. Nesta entrevista, o artista fala do seu primeiro contato com a arte, das fases artísticas por quais passou, da sua relação política com Magé, do seu trabalho como animador cultural, da experiência de ter representado o Brasil na França e dos seus planos de escrever um livro sobre brinquedos. Confira!

Como começou o seu envolvimento com a arte?
Desde criança, como todo mundo, eu gostava muito de desenhar, mas foi a escola que despertou mesmo o meu trabalho. Onde estudei em Piabetá, no colégio Visconde de Mauá, conheci o professor e pintor Ney de Lima, que me convidou para conhecer o atelier dele. A partir daí, comecei a participar de gincanas de pintura no Rio, nas quais ganhei diversos prêmios. Nessa época eu devia ter uns 20 anos. Então, o começo foi mesmo através da escola. Por isso, acredito tanto na educação!

Como era o seu trabalho artístico nesta época?
Quando conheci o professor Ney de Lima, o meu trabalho era figurativo, com desenho livre. Depois veio uma fase meio vudu, foi uma época bem escura. Com a Rio-92, na qual participei com um chapéu de palha reciclado, tomei consciência daquele evento maravilhoso, no qual o mundo todo estava voltado para a questão ambiental. Isso clareou o meu trabalho e comecei a inserir a reciclagem no que fazia. Logo em seguida, passei a trabalhar com animação cultural. Já entrei reciclando. Com a educação, o meu trabalho voltou a ter cor. No final da década de 90 comecei o meu trabalho com lata, que eu chamo hoje de arte “Vira-Lata”. Eu dei esse nome porque o primeiro trabalho dessa fase se chama “Alegoria para um vira-lata”. Esta obra faz parte hoje da coleção do Gilberto Chateaubriand, no MAM (Museu de Arte Moderna). Vira-lata é um cão que não tem raça e eu não tenho pedigree, pois não tenho curso superior, nem pinto com tinta importada (risos). Quando participei do programa do Daniel Azulay, na TV Bandeirantes (durante 30 programas), eu ensinava a fazer lápis de cor, giz de cera... como eu gostava do programa, por ter a oportunidade de levar as crianças da escola, eu pensei que tinha que inventar alguma coisa para continuar. Aí comecei a fazer brinquedo de sucata, que faço até hoje, e que evolui para as engenhocas. Hoje é moda fazer brinquedo de sucata, mas comecei a fazer isso em 1993.

Criança gosta da simplicidade do brinquedo...
Os brinquedos, hoje, não têm ludicidade. O brinquedo brinca sozinho, não tem função. Tem criança que pega o motozinho de um robô, por exemplo, e cria outro brinquedo. Lembro de uma charge que mostra os pais dando um robô, dentro de uma caixa, para o filho, e em seguida aparece a criança brincando com a caixa.

Há quanto tempo você mora em Magé?
Vim de Campos para Magé com 20 dias de nascido, há 56 anos. Eu era uma criança muito doente. Fiquei dois anos internado e o médico disse que não tinha mais jeito. Minha mãe chamou até um padre para me batizar no hospital, para eu não morrer pagão. Eu gosto muito de Magé, o que estraga o município são os políticos. Durante todo o tempo que moro aqui, nunca vi nenhum investimento cultural em nosso município. Temos a primeira estrada de ferro do Brasil e ela está apodrecendo. Aqui não tem cinema, não tem teatro e o pior: não tem vontade política para mudar isso. Nós, artistas do município, somos exilados culturais. Basta ter acompanhado as últimas noticias políticas daqui para ver como é vergonhoso.

Você poderia falar um pouco sobre o seu trabalho como animador cultural?
Eu tive a felicidade de participar de uma iniciativa tão bonita como essa. Foi um projeto criado por Brizola e Darcy Ribeiro. A idéia era pegar artistas da comunidade e colocar dentro dos Cieps, quebrar o muro das escolas. Sempre fui fã do Brizola, sempre votei nele. E fã de Darcy Ribeiro, que tive o prazer de conhecer pessoalmente. Éramos 1.200 animadores, hoje não passamos de 400. A proposta inicial foi desfigurada. Sinto muito orgulho de participar deste projeto até hoje. Nunca quis sair. Com a educação aprendi muita coisa com as crianças. Isso alimenta o meu trabalho!

Você e os artistas Ronald Duarte, Jorge Duarte, Júlio Sekiguchi, Raimundo Rodrigues e Roberto Tavares são fundadores do grupo de arte contemporânea Imaginário Periférico. Qual é a proposta do grupo?
A idéia é descentralizar a arte. Criar uma via de mão dupla entre a Baixada e a Zona Sul e movimentar a arte contemporânea na Baixada, que sempre foi mais comportada, acadêmica.

Como foi a recepção dos franceses ao seu trabalho, quando foi convidado para representar o Brasil na França, no “Ano do Brasil na França”, em 2005?
Foi bem legal! Muita gente participou das oficinas, tanto crianças, como adultos. As pessoas achavam estranho o fato de fazer e levar o brinquedo. Muitas voltavam para participar novamente com o brinquedo que tinha feito. A recepção foi fantástica!

Você tem um projeto de escrever um livro infantil. Como seria este livro?
No Brasil existem poucos livros sobre brinquedos. O que temos são obras traduzidas que não tem muito haver com a nossa realidade. Está faltando um livro mais completo, que fale de brinquedos reciclados. Eu acredito que posso fazer um livro bem bacana sobre este tema, porque já trabalho com isso há bastante tempo. Faço brinquedos sonoros, pedagógicos, populares e engenhocas. Mas, estou com dificuldade para publicar o livro, devido à tradição de não se divulgar obras infantis nesta linha no país. O meu objetivo com o livro não é ganhar dinheiro. A ideia é fazer com que a minha pesquisa com material reciclado não se perca. Eu quero passar este conhecimento adiante. Tanto que eu vendo meus quadros, mas os brinquedos não. Eu quero ensinar a fazer.

Para mais informações sobre Deneir e sua obra, acesse: www.deneir.arteblog.com.br