COMUNISTAS! COMUNISTAS! COMUNISTAS!
Alguém balançou um pêndulo diante de uma multidão enfurecida e carente de ideias, depois apontou para outra parte da multidão, composta de pessoas que prezam por democracia, direitos humanos, igualdade, respeito às escolhas individuais e diferenças étnicas, de gênero e de fé, e gritou: “Comunistas!”. Foi o bastante para que a tal multidão passasse a repetir incessantemente: “Comunistas... comunistas... comunistas... comunistas! Comunistas! Comunistas!”, numa perseguição implacável a seres humanos que até então eram tratados com uma tímida tolerância, em razão de leis e orientações pedagógicas de novos tempos, depois de uma longa ditadura em que pessoas com os mesmos ideais foram também perseguidas, presas, torturadas e mortas.
A palavra Comunismo se origina de comum. Uma ideia, pregação ou prática em que tudo é de todos, não apenas de alguns indivíduos. Sua orientação original é de que os bens deveriam ser repartidos entre os homens, para possibilitar a igualdade. Teria dado certo no mundo inteiro, se o ser humano não fosse afeito a levar vantagem sobre o outro nessas questões de partilha e se a ideia ou ideologia não fosse instituída por lei, o que fez com que os governos de países comunistas assumissem a tutela do regime, também levando vantagem sobre o povo. Partilhar por amor e consciência é uma coisa; por lei, e ainda tendo que partilhar com governos, quando e como eles determinem, afirmando que o país precisa, é algo bastante cruel. Ademais, a natureza capitalista e avarenta do ser humano, especialmente o que mais tem, torna tudo bem mais difícil.
Não há comunismo no Brasil. Nem comunistas. Nem chance de haver comunismo, no contexto político nacional. E nenhum governante brasileiro nos últimos anos falou em adotar esse regime. Nos últimos 14, por exemplo, teriam conseguido, se quisessem, mas nunca foi o projeto nem a intenção. Nosso comunismo aspeado se firma nas seguintes igualdades: de direitos como o de ir e vir, de cultuar, de auto-afirmação, de amar o gênero oposto ou similar e uma série de atribuições e livres quereres que determinam nossa cidadania. Que formam o Estado democrático de direito. Nossa democracia é o comunismo do livre arbítrio e da graça, para fazermos uma comparação bíblica. Uma sociedade que morre de medo desse comunismo tem sua justificativa nos efeitos colaterais que um povo livre, sem medo e consciente de seus direitos ocasiona, muitas vezes por não ter consciência de que mesmo a liberdade tem suas responsabilidades regidas por lei e todo cidadão está sujeito a pagar pelos excessos, abusos e crimes em nome disso.
Você, brasileiro, provavelmente cristão, deve ter percebido no comunismo não político, mas humano e social, semelhanças com o evangelho do Cristo que você prega e segue. Ele pregou na terra essa igualdade; o espírito de partilha; o amor ao próximo seja ele quem for; a total ausência de preconceito e a liberdade; o livre arbítrio para segui-lo ou não. Para fazer ou não a sua vontade. Orientou que o pecado e o crime são distintos. Quem comete crime há de se entender com a justiça da terra. Já quem comete pecado, não está sujeito ao julgamento nem a condenação humana; isso é lá entre o pecador ocasional e o possível Deus (o termo possível é por minha conta).
Com todos os meus defeitos, que são incontáveis, e todas as distorções da democracia, do livre arbítrio e dos direitos iguais que a democracia valoriza, tentando imitar um pouco do que o próprio Cristo estabeleceu, é com orgulho que faço parte dessa parcela da multidão chamada de comunista. Isso não é um xingamento para mim. É um elogio. Não sou cristão, mas tenho Cristo e suas ideias comunistas em altíssima conta. Vivo no tempo da graça social, que é a democracia, e sei que a mesma precisa se aprimorar muito. Não quero a volta do velho testamento político brasileiro, que é a ditadura. O sistema repressor e cruel que tortura, mata e quer cada cidadão na rédea curta; na obediência cega; no medo constante. Com ódio acirrado pelo outro, porque não pensa igual; porque não se curva tanto quanto; porque não é separatista; preconceituoso; hipócrita.
E ninguém dirá convincentemente, depois de tudo que já vimos e ouvimos nesta campanha eleitoral para presidente do Brasil, já descontadas as tais fake news, que o vencedor quase certo destas eleições não tem perigosas ideias ditatoriais. Que nem sutilmente se anuncia um novo período repressor em nosso país. Conheço a lista imensa de “pelo menos isso; pelos menos aquilo” que está na ponta da língua de seus eleitores, muitos até bem intencionados e acreditando num país melhor, mas ingenuamente equivocados sobre o que seria um país realmente melhor.
Sei que não vou convencer ninguém do que digo aqui. Nenhum eleitor do referido cidadão arredará um pé; cederá um milímetro, aconteça o que acontecer. Nem se o próprio candidato confessar crimes hediondos. Ele não tem eleitores; tem fiéis; ninguém decidiu votar nele pela razão, e sim, pela fé. A decisão de votar no mesmo foi uma conversão desesperada, por culpa do grupo a que pertence meu escolhido, cujo partido e ele próprio cometeram muitos erros. Mas esses erros não justificam ressuscitarmos a ditadura militar brasileira nem os preceitos que Adolf Hitler impôs à Alemanha, com argumentos muito semelhantes aos que a maioria dos brasileiros adotou hipnotizada e convertida a um mito.
Tirar um ser humano do poder máximo do país como já tiramos alguns, é bem possível em pouco tempo. Tirarmos um mito, sobretudo abençoado pelas forças armadas, fica bem mais difícil. Exigirá muito esforço e sofrimento em massa. Muito sangue, para sermos exatos. Respeitamos e enaltecemos as forças armadas como nossa proteção; a guardiã de nossas fronteiras e da honra nacional, mas não como governo. Todo governo militar foi equivocado, e sua natureza bélica fez do país o reino do medo, da opressão e da violência contra os direitos de cidadania. Nossos respeitos às forças armadas, em seu devido lugar de honra.