Colunistas | Midiosfera | 01 de março de 2011 - 22:17

BBB, valores, emoções e o controle remoto

Geraldo Garcez Condé
Circula na internet uma crônica atribuída ao escritor Luiz Fernando Veríssimo que faz críticas arrasadoras ao programa Big Brother Brasil apresentado pela Rede Globo. Veríssimo já negou a autoria de mais esse texto em sua coluna no jornal O Globo, mas a repercussão que tiveram as críticas na tagarelice planetária dos sites e blogs varia da saudação efusiva, com declarações de concordância irrestrita, a ofensas ao autor por parte de hipotéticos apreciadores do programa. Independentemente da autoria e do fato de que um comentário sobre o “mito” acaba por se tornar parte do “mito” – fenômeno há muito observado pelos antropólogos –, o texto é um bom pretexto para refletir sobre a relação entre mídia, valores e emoção, tema que estaria na raiz dessa polêmica.

A principal acusação feita no texto ao BBB é de que não se trata de um programa cultural ou educativo, pois não ensina aos espectadores conceitos como valor, ética, trabalho e moral. De fato, essas observações correspondem a uma particular expectativa iluminista de esclarecimento e de educação das massas que há muito se deposita na mídia. Jornal, revista, livro, rádio, cinema, televisão, internet etc. são considerados, nessa perspectiva, instrumentos nobres na batalha contra o obscurantismo, o mito, a fantasia, a irracionalidade, o descontrole das emoções, obstáculos ao surgimento do esclarecido Homem Moderno. No entanto, os últimos três séculos de história das sociedades ocidentais – período de desenvolvimento e consolidação da mídia – insistem em negar essas esperanças. Num retrato necessariamente rudimentar e apressado, ou manter as massas mergulhadas nas trevas tem se mostrado mais rentável econômica e politicamente para os estratos dominantes ou as massas verdadeiramente se recusam a ser esclarecidas.

Tentando ir além dessa visão imediata que se inclina a atribuir unicamente a interesses comerciais e de poder os rumos tomados pela mídia – o alto faturamento é um dos argumentos expostos na crônica que atestaria a imoralidade do BBB –, não se deve esquecer que ela padece de um “pecado original”. Tal como se configura hoje, a mídia é fruto da sociedade ocidental moderna capitalista. O sistema que hoje envolve o planeta foi construído sob a orientação dos valores dessa sociedade, em que pesem as tentativas de imprimir outras direções. É sob as ideias de progresso material e de lucro, sustentadas por valores como individualismo, autonomia, esclarecimento etc. – nem sempre explícitos –, que todo o aparato técnico foi desenvolvido, que se fundaram empresas de todos os tamanhos dedicadas a elaborar produtos simbólicos para serem oferecidos no mercado. Mídia e capitalismo seriam, portanto, indissociáveis.

Mas há um outro ponto, motivo de “vergonha e indignação” do autor das críticas ao BBB, que é o fato de essa “aberração” ter uma enorme audiência. Muitas respostas já foram dadas sobre essa questão. Boa parte delas, mais ou menos explicitamente, atribui a uma espécie de poder encantatório dos produtos da mídia a sedução dos consumidores. Esse poder teria a ver com a oferta de fantasias alienantes, com imagens de uma existência menos dura, que mergulhariam os telespectadores, ouvintes ou leitores num estado de torpor, afastando-os da realidade cotidiana e abrindo brechas para que manipuladores de todos os tipos conduzissem suas vidas. Além disso, os meios de comunicação tenderiam a satisfazer “os instintos mais baixos” dos indivíduos, principalmente quando oferecem doses maciças de sexo, violência, disputa, intriga, mexerico e experiências consideradas incomuns, expondo as “misérias humanas”. As “baixarias” seriam o ingrediente preferencial de programas como o BBB.

Para um projeto de sociedade que considera a mídia como um instrumento de elevação intelectual e moral dos indivíduos, o jogo de emoções promovido em tempo integral por todo o sistema constitui objeto de reprovação e alvo de necessária reforma. Mas quando se avalia a mídia por esse ângulo, tende-se a desqualificar as experiências emocionais dos consumidores, normalmente percebidas como ilegítimas ou falsas. As emoções advindas da fruição dos produtos simbólicos seriam o resultado indesejável, pois o objetivo deveria ser promover a autonomia, o esclarecimento e a capacidade de apreciar o bom e o belo. Senhor de si, educado e ilustrado, moralmente firme e de sensibilidade estética apurada: eis o indivíduo para cuja produção a mídia deveria contribuir.

Se o mais típico dos telespectadores mantém a sua televisão ligada no BBB, pode-se supor que, em alguma medida, isso lhe proporciona prazer, satisfação, enfim, atenda às suas demandas de experiências emocionais. Amar, odiar ou sentir compaixão à distância pelos personagens confinados numa casa – e milhões de consumidores de produtos midiáticos confirmam isto ao redor do planeta – integra a experiência existencial do indivíduo moderno. Essas experiências seriam tão reais para ele quanto aquelas que nascem da interação face a face com outros indivíduos.

É por isso que, numa demonstração de desprezo, fastio, nojo ou tédio provocado por um programa, o telespectador pode usar o controle remoto, mudar de canal ou simplesmente desligar o aparelho. Assim, além de mostrar sua incontestável autonomia, o telespectador faz, emocionalmente, a mais contundente e eficaz crítica possível à mídia.