Colunistas | Midiosfera | 07 de junho de 2011 - 16:10
A mídia e os monstros
Dois episódios recentes que receberam maciça cobertura da imprensa nacional e estrangeira são reveladores da dimensão mítica e da linguagem fabulosa do jornalismo, considerado uma narrativa firmemente ancorada no factual. O primeiro é a matança de doze crianças promovida por um homem que invadiu uma escola municipal no bairro carioca de Realengo. De repercussão mais ampla, a execução por agentes americanos de Osama Bin Laden, líder do grupo Al Qaeda, responsabilizado por atentados terroristas em várias partes do mundo, é o segundo desses episódios.
A matança de estudantes em escolas e universidades tem ocorrido com frequência nos Estados Unidos e, em menor número, em países da Europa. Os executores tanto têm sido pessoas vinculadas às instituições em que isso ocorre quanto estranhos a elas. O motivo alegado para esses atos, via de regra, é algum tipo de humilhação sofrida por essas pessoas, principalmente nas próprias instituições. Outra importante constante registrada pela mídia é o planejamento minucioso dessas ações, que envolve a compra de armas, o treinamento no seu uso, o estabelecimento de uma estratégia e a documentação escrita e em imagem das várias fases da empreitada, inclusive da justificativa e de instruções relativas aos desdobramentos, como o suicídio ou a morte em combate do autor. Dessa forma, esses massacres se caracterizariam como ações extremamente racionalizadas.
De acordo com o noticiário, Osama Bin Laden era membro de uma família milionária que estudou engenharia na juventude e se tornou líder de um grupo organizado numa extensa rede pelo mundo, recrutando e treinando adeptos para cometer atentados contra os Estados Unidos e seus aliados. O arremesso de dois aviões com passageiros contra as Torres Gêmeas, em Nova York, é o mais conhecidos deles. Um dos atributos de Bin Laden, ainda segundo a imprensa, seria a sua capacidade de conquistar seguidores para a sua causa e de convencê-los a cometer até mesmo ataques suicidas. Nas conjecturas sobre a sucessão na liderança da Al Qaeda, destaca-se que o provável novo chefe da organização não teria o mesmo “carisma” de Osama.
O que há em comum entre esses dois personagens – Wellington, o atirador de Realengo e Bin Laden –, é o qualificativo de “monstro” que ambos receberam em vários veículos jornalísticos. Mas nesses dois episódios, em particular, mas também em muitos outros de mesma natureza, o planejamento minucioso, a concepção e a articulação das ações seriam resultado de um trabalho de alto nível de racionalidade e de manejo das emoções, próprios dos seres humanos. Nesse sentido, para além das figuras jurídicas de “homicida” e de “terrorista” relativas aos atos desses indivíduos, a figura do “monstro” merece algumas considerações.
Usado comumente pela imprensa para qualificar o autor de transgressão que se destacaria pela amoralidade, crueldade e/ou extensão, o termo “monstro” promoveria uma “desumanização” do indivíduo na medida em que põe sob suspeita o seu caráter humano. A palavra “monstro” refere-se a seres mitológicos, sendo empregada na linguagem midiática em oposição a “humano”. Além de expressar o grau de indignação moral despertada pelo crime, o qualificativo deixa entrever uma determinada concepção de “ser humano” tomada como referência. O “monstro”, nesse sentido, não seria um “ser humano”, pois não possuiria os atributos que definiriam este último.
Essa concepção de ser humano está bastante impregnada pela ideia de elevação moral e de perfeição. O ser humano seria dotado de um conjunto de determinadas características tomadas como positivas, algumas inatas e outras adquiridas pela inserção adequada em determinadas instituições. O grau de humanidade medido por essa escala serviu e serve para distinguir e hierarquizar povos, grupos dentro de povos e pessoas dentro de grupos. Talvez o uso mais eficiente e extenso desse mecanismo de exclusão tenha sido feito pelas sociedades ocidentais.
Além de expressar a condenação moral do transgressor, a figura jornalística do “monstro” coloca o indivíduo num plano ambíguo. Ele teria cometido um ato condenável ao qual se aplicariam as leis vigentes num determinado grupo humano, mas, esse é o sentido subjacente, ele não é humano, diferindo, portanto, dos demais indivíduos. Uma das conclusões lógicas dessa construção da linguagem mítica do jornalismo é que ao “monstro” as leis que regulam os demais não se aplicariam. Portanto, nesse plano, ou ele não seria responsabilizado pelos seus atos ou poderia ser punido ao arrepio da lei, com a execução sumária, por exemplo. O “monstro” estaria, desse modo, muito mais submetido ao julgamento moral que ao legal.
Desse modo, a linguagem da mídia, além de por em questão a natureza das leis estabelecidas, tenderia a ocultar um dos golpes mais dolorosos na autoimagem dos indivíduos das sociedades modernas, o de admitir que não há um padrão definido de humanidade, admitir que o mais abominável dos criminosos é uma das possibilidades do ser humano.
A matança de estudantes em escolas e universidades tem ocorrido com frequência nos Estados Unidos e, em menor número, em países da Europa. Os executores tanto têm sido pessoas vinculadas às instituições em que isso ocorre quanto estranhos a elas. O motivo alegado para esses atos, via de regra, é algum tipo de humilhação sofrida por essas pessoas, principalmente nas próprias instituições. Outra importante constante registrada pela mídia é o planejamento minucioso dessas ações, que envolve a compra de armas, o treinamento no seu uso, o estabelecimento de uma estratégia e a documentação escrita e em imagem das várias fases da empreitada, inclusive da justificativa e de instruções relativas aos desdobramentos, como o suicídio ou a morte em combate do autor. Dessa forma, esses massacres se caracterizariam como ações extremamente racionalizadas.
De acordo com o noticiário, Osama Bin Laden era membro de uma família milionária que estudou engenharia na juventude e se tornou líder de um grupo organizado numa extensa rede pelo mundo, recrutando e treinando adeptos para cometer atentados contra os Estados Unidos e seus aliados. O arremesso de dois aviões com passageiros contra as Torres Gêmeas, em Nova York, é o mais conhecidos deles. Um dos atributos de Bin Laden, ainda segundo a imprensa, seria a sua capacidade de conquistar seguidores para a sua causa e de convencê-los a cometer até mesmo ataques suicidas. Nas conjecturas sobre a sucessão na liderança da Al Qaeda, destaca-se que o provável novo chefe da organização não teria o mesmo “carisma” de Osama.
O que há em comum entre esses dois personagens – Wellington, o atirador de Realengo e Bin Laden –, é o qualificativo de “monstro” que ambos receberam em vários veículos jornalísticos. Mas nesses dois episódios, em particular, mas também em muitos outros de mesma natureza, o planejamento minucioso, a concepção e a articulação das ações seriam resultado de um trabalho de alto nível de racionalidade e de manejo das emoções, próprios dos seres humanos. Nesse sentido, para além das figuras jurídicas de “homicida” e de “terrorista” relativas aos atos desses indivíduos, a figura do “monstro” merece algumas considerações.
Usado comumente pela imprensa para qualificar o autor de transgressão que se destacaria pela amoralidade, crueldade e/ou extensão, o termo “monstro” promoveria uma “desumanização” do indivíduo na medida em que põe sob suspeita o seu caráter humano. A palavra “monstro” refere-se a seres mitológicos, sendo empregada na linguagem midiática em oposição a “humano”. Além de expressar o grau de indignação moral despertada pelo crime, o qualificativo deixa entrever uma determinada concepção de “ser humano” tomada como referência. O “monstro”, nesse sentido, não seria um “ser humano”, pois não possuiria os atributos que definiriam este último.
Essa concepção de ser humano está bastante impregnada pela ideia de elevação moral e de perfeição. O ser humano seria dotado de um conjunto de determinadas características tomadas como positivas, algumas inatas e outras adquiridas pela inserção adequada em determinadas instituições. O grau de humanidade medido por essa escala serviu e serve para distinguir e hierarquizar povos, grupos dentro de povos e pessoas dentro de grupos. Talvez o uso mais eficiente e extenso desse mecanismo de exclusão tenha sido feito pelas sociedades ocidentais.
Além de expressar a condenação moral do transgressor, a figura jornalística do “monstro” coloca o indivíduo num plano ambíguo. Ele teria cometido um ato condenável ao qual se aplicariam as leis vigentes num determinado grupo humano, mas, esse é o sentido subjacente, ele não é humano, diferindo, portanto, dos demais indivíduos. Uma das conclusões lógicas dessa construção da linguagem mítica do jornalismo é que ao “monstro” as leis que regulam os demais não se aplicariam. Portanto, nesse plano, ou ele não seria responsabilizado pelos seus atos ou poderia ser punido ao arrepio da lei, com a execução sumária, por exemplo. O “monstro” estaria, desse modo, muito mais submetido ao julgamento moral que ao legal.
Desse modo, a linguagem da mídia, além de por em questão a natureza das leis estabelecidas, tenderia a ocultar um dos golpes mais dolorosos na autoimagem dos indivíduos das sociedades modernas, o de admitir que não há um padrão definido de humanidade, admitir que o mais abominável dos criminosos é uma das possibilidades do ser humano.