Historiador e cineasta caxiense lança livro sobre a primeira TV de rua do Brasil
Do Viva Caxias / Por Shirley Costa O ano era 1981 e, apesar da televisão já contar à época com 30 anos desde a sua chegada ao País, muitos brasileiros ainda não dispunham do aparelho em casa e muito menos com notícias positivas e de utilidade de suas regiões. Em Duque de Caxias, a situação não era diferente. Mas graças a um grupo de profissionais da cidade, foi lançada a primeira TV comunitária de rua do Brasil, a TV Olho, que operou até 1984. Quem passava pela Praça da Emancipação — conhecida como Praça do Relógio —, no Centro de Duque de Caxias, era surpreendido por um telão de última geração, que transmitia uma programação com notícias rápidas, exclusivamente locais. Das 300 mil pessoas que transitavam diariamente pelo lugar, muitas passaram a fazer parte de um grupo cativo, que ia especialmente à praça para assistir a TV Olho. Em seguida, a iniciativa também passou a ser itinerante, levando as informações para os bairros mais afastados do município. É essa história que o historiador e cineasta caxiense Rodrigo Dutra apresenta em seu livro TV Olho - A história da primeira TV de rua do Brasil. A obra é fruto da pesquisa de Mestrado de Rodrigo, na Uerj/FEBF, e o primeiro estudo sobre o que foi o fenômeno da TV Olho na cidade de Duque de Caxias. Rodrigo também é diretor do filme TV Olho - A Primeira TV Comunitária do Brasil, ganhador dos prêmios de ‘Melhor Documentário’ no Festival Vercine e de ‘Best Director’ no Indian Cine Film Festival. No bate-papo a seguir, o historiador conta mais detalhes sobre a TV Olho e como se deu o seu processo de produção do livro. Confira: 1- O livro TV Olho - A história da primeira TV de rua do Brasil é fruto da sua pesquisa de Mestrado na Uerj/FEBF. Poderia nos contar como se deu o seu interesse por essa história? O interesse pela TV Olho surgiu meio que por acaso, porque pouco se falava dela antes de eu fazer a minha pesquisa. Falava-se muito, na Baixada Fluminense, do pioneirismo e das ações da TV Maxambomba, que são muito pesquisadas e divulgadas. Sobre a TV Olho quase não se falava. Ninguém sabia onde estava o fundador, quem tinha participado e nem onde estavam os arquivos. Quando comecei a pesquisa para o meu mestrado, eu queria fazer, na verdade, um panorama, um mapeamento histórico da potência audiovisual que é a Baixada Fluminense. Só que quando iniciei, me deparei logo de cara com a incógnita da TV Olho. Então um pouco por sorte e por virtude, eu falei com algumas pessoas e elas me direcionaram à Silvia de Mendonça, que tinha participado da TV Olho. Apesar de já a conhecê-la, ela nunca tinha me falado sobre isso. Então ela disse que me apresentaria a um dos fundadores, que morava em Caxias. Quando chego à casa do fundador, o Francisco Carlos Damásio, me deparo com um arquivo privado muito grande, um acervo gigante sobre a história da TV Olho. E aí o meu mapeamento ficou no primeiro tópico, que foi a TV Olho, porque eu tinha que dar tratativa aquele material. 2- Como foi o processo de pesquisa para encontrar os protagonistas e material sobre a TV Olho? O processo de pesquisa foi esse, de ter tido um pouco de fortuna e virtude, de ter achado as pessoas certas e ter trabalhado aquele material. Um acervo privado é sempre complicado, porque o acesso a ele depende da simpatia da pessoa que está sendo pesquisada por você. É como se ela abrisse o baú das suas histórias e das suas memórias. Isso para algumas pessoas pode causar incômodo. E agora a luta é para tornar esse acervo público. 3- Qual foi o impacto desse projeto para Duque de Caxias na época? A TV Olho não impacta só Duque de Caxias, impacta o país inteiro. Ela começa a fazer um sistema de exibição que até então ninguém tinha feito, era algo completamente inédito. Ou seja, produzir sua própria programação e exibir em praça pública era algo que ninguém fazia antes da TV Olho. O videoteipe, por exemplo, chega nos anos 80 no Brasil — antes disso existia apenas a tecnologia de película, de rolo de fita — e já em 81, a TV Olho estava usando o videoteipe. Ela é uma das pioneiras em utilizar essa nova tecnologia para poder mostrar a cidade, fazer suas produções. Isso tem um impacto na cidade de Duque de Caxias gigante. Se a gente pensar Duque de Caixas daquela época, mas da metade da população não possuía TV em casa. 60% dos moradores não tinham nem geladeira. Então foi um impacto muito grande para a população se ver nas telas da TV Olho, que era o chamado ‘visual people’, um sistema que eles montaram. E isso impactou também o movimento de vídeo no Brasil, já que a TV Olho acaba inspirando, em termos de formato tecnológico, todo o movimento que vem depois dela. 4- Qual foi o legado que a TV Olho deixou para a cidade? É sempre muito difícil mensurar um legado. Mas a TV Olho deixa um legado, acredito eu, não só para a cidade, mas para o movimento de vídeo no Brasil. E acaba contribuindo também para essa potência audiovisual que é Duque de Caxias, que é a Baixada Fluminense. Acredito que Duque de Caxias seja hoje a principal cidade cinematográfica do estado do Rio, com exceção da capital, onde se tem muita gente produzindo, muita coisa acontecendo e um movimento muito forte. 5- Você e o Francisco Damásio (um dos fundadores da TV Olho) estão digitalizando as fitas VHS com o objetivo de preservar essas imagens e disponibilizar ao público e, inclusive, você fez um apelo a instituições para que ajudem a manter esse acervo. Já tem alguma proposta ou perspectiva nesse sentido? A gente praticamente já digitalizou todas as fitas VHS. Estão nos HDs e queremos disponibilizar ao público, vinculado a uma instituição pública, para que esse acervo nunca se perca. Não quero tirar de um lugar privado, que está, mal ou bem, guardado, acondicionado e preservado, para colocar em outro lugar que pode não preservar essa história. Então estamos conversando hoje com o Cedim, que é o Centro de Documentação e Imagem. O bate-papo está acontecendo e eles estão interessados em disponibilizar esse acervo na plataforma deles. 6- Como é para você, enquanto cineasta, tendo produzido, inclusive, um documentário premiado sobre a TV Olho, estrear como escritor? Como sentiu a diferença entre o processo de produção para o audiovisual e para a escrita de um livro? É bastante diferente a metodologia de fazer um filme e de escrever um livro. No meu caso, o meu livro é muito técnico. Nele, eu faço ciência histórica. Então, tenho um compromisso muito grande com a teoria e a metodologia do ofício do historiador. No livro, estou lidando com verdades, analisando, levantando questões, questionando outros autores e trazendo minhas conclusões. O modo de operar no campo da escrita acadêmica é a ciência. Por isso, no meu livro estou fazendo ciência. Já no filme, por mais que seja um documentário, ele não tem esse compromisso com a busca da verdade histórica. E sim um comprometimento com ele mesmo e de causar no expectador o que chamamos de diegese, que é provocar no público um prazer de passar aquele momento com aquela história, com aquelas pessoas. Então, eu faço um documentário onde trago vários elementos históricos, porém ele não tem um compromisso com a verdade histórica e sim com a narrativa, com a trama e a arte. Por mais que ele lide e opere com vestígios históricos, a abordagem é completamente diferente. Existe uma diferença ainda entre produzir um livro e fazer uma pesquisa acadêmica. A minha pesquisa para o Mestrado sobre a TV Olho é muito mais densa. Com o livro, que é para um público mais amplo, eu tive que mudar algumas coisas, reescrever parte da obra. 7- O que os leitores podem esperar da obra? No livro da TV Olho, eles podem esperar primeiro um panorama geral sobre o movimento de vídeo no Brasil e depois um pouco da história das TVs comunitárias e de como a TV Olho se articulou com essas TVs. Eu pego um pouquinho também de todo o processo de conhecimento científico desenvolvido a respeito dos fenômenos das TVs comunitárias, ponho em xeque algumas teorias sobre elas, tento analisar porque a TV Olho foi excluída de todo esse debate, de como ela era mal vista por pesquisadores dos anos 90 e os sentidos que eles traziam a respeito do que era vídeo popular, alternativos e TV comunitária. Falo ainda, especificamente, da programação da TV Olho. Como ela fazia, como pensava, produzia e exibia a cidade de Duque de Caxias e como isso impactava tanto a cidade como o país. 8- De que forma o livro pode ser adquirido? O livro pode ser adquirido nas principais livrarias do país. E também diretamente comigo a um preço mais acessível, por meio do Mercado Livre: https://produto.mercadolivre.com.br/MLB-1840251585-livro-tv-olho-a-historia-da-primeira-tv-de-rua-do-brasil-_JM.