Para onde nos leva a urgência
Cada vez mais, a velocidade da vida urbana se intensifica.
Caminhar tranquilamente pelas ruas de uma cidade pequena é completamente diferente de correr alucinadamente, no meio do trânsito de um centro urbano agitado.
Já em 1922, na semana da Arte Moderna, o Rio de Janeiro acenava com a síndrome da urgência moderna. Como a criança que quer ser adulto, imediatamente, deixando para trás todas as riquezas da infância. Dessa pressa de pular degraus, nasceu Macunaima, um curumim arteiro e desmiolado.
Se a modernidade caminha para a agilidade e a resolução quase que imediata dos seus problemas, a vida sofre com a urgentização de seus objetivos, que acabam misturados com as expectativas de grupos que visam o lucro a qualquer custo. E todo crescimento precisa de seu tempo natural para ocorrer com qualidade e segurança. As pessoas vão se embrenhando em processos de solução cada vez mais rápida, para que não se perca uma oportunidade, um ganho de capital, uma vaga num emprego...
Ou seja, caminhamos para o estresse, para a ansiedade contínua, para a loucura que se mistura com a escravidão da pressa, diante do risco da perda de tempo. Mudou-se o critério que tínhamos sobre mobilidade. Mas, infelizmente, mudou-se também o respeito pelo tempo individual de crescimento, pessoal e afetivo. Acabamos reféns do tempo do progresso.
Progresso?!!!
Da mesma forma que ganhamos imensamente com a rapidez na transmissão de imagens, -> a televisão nos mostra, no mesmo instante, qualquer evento que ocorra no outro lado do mundo <- somos obrigados a dar respostas igualmente imediatas, para coisas que envolvem equilíbrio nas escolhas, tempo de ajuste emocional e uma infinidade de componentes que não devem ficar atrelados a essa urgência descabida e insalubre.
Quando citamos textos da filosofia oriental, parece que estamos falando de coisas do homem da caverna, do atraso da sociedade medieval, quando é exatamente o contrário. O que nos é mostrado é que as coisas tem um tempo interno, uma disponibilidade vinculada a uma espera e um processo de transição, que precisa ser atendida para que o corpo e, muitas vezes, o processo, não sofram com a sua alienação. Alienação sim, porque as necessidades do corpo, da mente, da relação com o mundo, nesse tipo de atitude de urgência, estão sendo, além de ignoradas, alienadas de suas funções e desígnios próprios e naturais.
Há poucos dias, tomei conhecimento de um texto do escritor Jonatan Magella, de quem tenho lido alguns artigos de extrema qualidade, pela lucidez e objetividade. E o melhor, pela forma simples e despojada que faz parecer que é simples se escrever como ele o faz. Acho que é nisso que mora a qualidade do escritor e do artista em geral, fazer parecer simples o que, na verdade, não é. Fazer simples talvez seja uma das coisas mais difíceis. Principalmente, para se fazer bem feito.
Neste artigo, Magella inicia com uma cena, onde dois mendigos tomam a sua cachaça matinal. E, ato contínuo, entra na padaria um jovem, de pouco mais de vinte anos, pedindo um café. Mas, pede o café, entre mexidas na pasta, procura de papéis, acessos ao tablet, ao celular, até sentar-se na mesa, continuando nesta azáfama.
Depois de alguns instantes de nervosismo evidente, no meio do seu estresse, entre telefonemas, verificação de contas e seu mundo de pressas, o garoto paga o café para ir embora.
E segue o texto de Magella:
“Quando está abrindo o carro, o olhar do garoto se cruza com o de um dos velhos.
- Coitados... esperando pela morte! Pensa o garoto, com olhar piedoso.
Enquanto um dos velhos, percebendo o olhar piedoso do menino, e lendo seus lábios, cutuca e comenta com o amigo:
- Alá! Disse que estamos esperando pela morte.
O outro responde, lacônico:
- Coitado dele... indo de encontro a ela.”
E este é o alerta!
Se nós não tomarmos consciência desse fato, seremos nós a fazermos isso, conosco e com a humanidade.
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