Moduan Matus, do cajado ao teclado
Com um conhecimento que abrange a tradição poética em sua oralidade nata (vide os aedos trácios), entre outros aspectos, e a contemporaneidade brasileira dos saraus com sua linguagem pop-poética (vide os beatniks americanos), que expõe várias linguagens ao mesmo tempo, Moduan Matus é considerado um dos ícones atuais da poesia na Baixada, perfilado a outros grandes, tais como o amigo e admirador mútuo Antônio Fraga, que dele ressaltou a qualidade de “aproveitador de palavras”.
A história desse vate começa lá pelo final da década de 1970, quando em parceria com o poeta Adalberto Cantalice criou o Jornal Teia, depois fundou o Grupo Caco de Vidro, coletivo poético também integrado pelos comparsas Idicampos, Heitor Neguinho, Dejair Esteves e J.A. Lima. A partir de 1980 Moduan Matus lançou vários livros de poesia (alguns em parcerias e um com apresentação de Heloísa Buarque de Holanda); editou volumes exercitando sua verve em outros gêneros, entre os quais contos e crônicas, sendo, também, o mentor e colaborador em algumas das mais importantes coletâneas poéticas da cidade. Por isso, certa feita o poeta carioca Chacal vaticinou:
“Moduan, lenda viva da Baixada contemporânea”
Já o poeta Sérgio Natureza, que também dispensa apresentações, argumentou:
“Moduan, com você flui assim na língua dos que falam poetês”
Portanto, com esses trechos pinçados do livro “Na verdade: dois em um – Poemas travalinguistas – Contos minimalistas”, lançado em 2016, é que faço as primeiras reverências a esse poeta de Nova Iguaçu, uma das 13 cidades da Baixada Fluminense do Estado do Rio de Janeiro.
Cada parte do livro é precedida por um pequeno ensaio sobre o tema que será desenvolvido posteriormente, o que pode ser encontrado em alguns livros do poeta, tendo em vista a sua verve de pesquisador, como por exemplo, no volume “Quintais Tropicais”, de 2011, no qual desfiou um belo ensaio sobre a origem e o fazer do haicai desde o “Waca” (poesia típica japonesa dos tempos da criação do Império do Sol Nascente). Desta forma Moduan precedeu a parte “Poemas travalinguistas” com o texto “Trava-língua”, nos lembrando:
“É uma palavra do português brasileiro e trata-se de uma ludologia – esfera do conhecimento que abrange o que diz respeito a jogos e passatempos, brincadeiras infantis etc - ”
E continua a aula em mais esse trecho:
“Trava-línguas é um palavreado cujo enunciado corrente é dificultado por uma ou mais obstrução. São palavras paronímicas onde os vocábulos são quase homônimos, diferenciando-se ligeiramente na grafia e na pronúncia que,ditas repetidas vezes, com rapidez, trava a língua de quem as pronuncia”
Difícil escolher um dos poemas desta parte, tendo em vista a qualidade fonética alcançada, mas, fiquemos com esse metalinguístico:
“Não misturar
a literatura
oral do
litoral de
Gragoatá
com a garatuja
do manual
no manancial
de Guarujá”
Outro, dos meus preferidos, é este tendo como tema a música:
“Um samba de bumbo
em Cururuquara
uma quizomba zoada
na estada em quilombo
uma rumba de bamba
em Guaramiranga
e em graças Zefa Dandara
balançando miçangas”
E para fechar as citações poéticas:
“Entre pares: ímpares
entre ímpares: pares
se limpares os pares
sem limpares os ímpares
entre pares e ímpares
ímpios
parecerão páreas”
Esses três textos demonstram a pluralidade de temas exercida pelo poeta, deixando claro que a monotemática, inexoravelmente, não teve vez neste capítulo.
Na outra parte do livro, intitulada “Contos minimalistas”, Moduan Matus nos traz uma profusão de imagens, apesar do espaço restrito das palavras, que estão imbuídas de concisão e precisão matemática tão comuns no haicai japonês e nos dísticos, composição com apenas dois versos e que trazem sentido completo – tão antiga que se perdeu no tempo a sua origem, sabendo que a grafia pode ser oriunda de duas línguas antigas: Latim “distĭchon” ou do grego “diʃtiku”.
Ressalto desta parte do volume os seguintes mini-contos:
“Ao atirar a primeira pedra lascada
virou as contas e desmaiou com o baque,
enquanto o que não foi atingido patenteou o bumerangue”
O próximo me pareceu uma singela homenagem ao Drummond:
“Era uma pedra no meio do caminho e, para piorar,
entrou em um sapato que passava”
e para fechar, mais um de seus variados temas:
“Quando lhe tiraram o chão
alçou o esplendor no voo sem pisar em ninguém”
Enfim... “Moduan Matus, O Polivalente”, epíteto conquistado por ser poeta, cronista, pesquisador e observador antenado, atua na literatura contemporânea com a polissemia do discurso e que lhe peculiar, envolvendo o reconhecimento da tradição como vínculo direto com a modernidade latente, mas sem entropia no discurso, tão comum aos “moderninhos de plantão”.
Saber dosar cajado e teclado é uma arte quando se prepara a palavra para a degustação alheia e o poeta Moduan Matus tem a receita.
Bom apetite para os que têm o “Na verdade: dois em um – Poemas travalinguistas – Contos minimalistas”.
- Cidadania
- Colunistas
- A Arte da Desmistura
- Baixada Prosa & Verso
- Conversa fiada só amanhã
- Direto do Exílio
- Eu amo o que faço
- Midiosfera
- O seu Direito
- Olho vivo, faro fino
- Papo de Professor
- Prospect(o)s
- Recôncavo da Guanabara
- Saúde Ocular
- Sena em Cena
- Construção
- Dicas
- Produtos
- Cultura
- Cursos
- Esporte
- Gastronomia
- Meio ambiente
- Menu cultural
- Moda e beleza
- Municípios
- Belford Roxo
- Duque de Caxias
- Guapimirim
- Itaguaí
- Japeri
- Magé
- Mesquita
- Nilópolis
- Nova Iguaçu
- Paracambi
- Queimados
- São João de Meriti
- Seropédica
- Negócios
- Notícias
- Oportunidades
- Política
- Saúde
- Tecnologia
Nenhum comentário